IDA VANESSA D. SCHWARTZ - Chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, professora do Depto. de Genética da UFRGS e diretora cientifica da Sociedade Brasileira de Genética Médica
O dia 28 de fevereiro é internacionalmente dedicado à celebração de esforços pela visibilidade de um grupo de condições/doenças que ocorrem, individualmente, de forma pouco frequente, mas que, como grupo, podem afetar até 13 milhões de brasileiros: as doenças raras.
Por serem raras, elas usualmente não fazem parte dos currículos das universidades das áreas da saúde, fato que contribui para o atraso do diagnóstico dos indivíduos e famílias por ela acometidos.
Quando se fala em doenças raras, costuma-se enfatizar as diferenças em relação às doenças frequentes. Mas podemos fazer um caminho diferente, tomando por base as suas semelhanças. Usemos como exemplo duas doenças tratáveis: o câncer de mama (uma condição frequente) e a galactosemia clássica (uma doença genética rara na qual o indivíduo não produz uma enzima que metaboliza a galactose, uma substância que está presente, entre outros, no leite materno).
Ambas as doenças dependem de um diagnóstico precoce e, portanto, de um tratamento precoce, para que este tratamento traga maiores benefícios: na galactosemia clássica, por exemplo, a ausência do início precoce de alimentação isenta de lactose pode levar o bebê ao óbito. Um diagnóstico tardio, para ambas as condições, significa, também, maiores custos para o SUS: a falta de suspeita da galactosemia clássica, em crianças que apresentam problemas hepáticos, pode levá-las à consulta sequencial com vários profissionais de saúde, os quais costumam pensar primeiro em excluir o diagnóstico de doenças mais prevalentes quando deveriam pensar primeiro em excluir o diagnóstico de doenças tratáveis. Isto onera o sistema (pelo número de consultas e exames desnecessários solicitados) e aumenta ainda mais a odisseia diagnóstica do paciente (ou seja, o tempo entre o início de sintomas e a idade ao diagnóstico).
Existem várias estratégias difundidas na mídia e nas escolas médicas para o diagnostico precoce do câncer de mama (autoexame, mamografia, aconselhamento genético, etc.), e também existe uma estratégia para o diagnóstico precoce da galactosemia clássica, mas que poucos conhecem: o teste do pezinho. Nossas crianças, pela lei nacional 14.454/2021 (Lei da Ampliação do Teste do Pezinho), já deveriam estar sendo testadas na primeira semana de vida para essa doença. Infelizmente, tal lei ainda não foi implementada e somente crianças que fazem o teste do pezinho no sistema de saúde suplementar têm acesso ao teste ampliado.
Por fim, tanto no câncer de mama quanto na galactosemia clássica (e doenças raras em geral) as populações mais vulneráveis são aquelas que têm a sua qualidade de vida mais afetada pela falta de acesso aos serviços de referencia. Assim como existem os Cacons (Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia), existem os SRDR (Serviços de Referência em Doenças Raras) habilitados pelo Ministério da Saúde a prestar atendimento integral aos pacientes com doenças raras. Em todo Rio Grande do Sul, existe somente um SRDR (o Hospital de Clínicas de Porto Alegre) para o atendimento ambulatorial de uma fila de espera de pelo menos 2 mil indivíduos. Fluxos para o atendimento de pacientes raros que necessitam de internação ainda devem ser construídos.
Nossos gestores de saúde estão cada vez mais sensibilizados ao tema. Mas é necessário urgência. Necessitamos apoiar a efetiva inclusão do atendimento de doenças raras no SUS. Necessitamos entender que isto é prioritário, e que não existe justificativa ética para a sua relativa invisibilidade frente às doenças mais prevalentes. São necessários mais SRDR em nosso Estado, é necessária uma maior educação sobre doenças raras. Já, pois todos somos diferentes. A raridade é a regra, não a exceção.